«O GLOBO» EXCLUSIVO: Executivos da OAS delatam pagamentos de R$ 125 milhões a 21 políticos

Empreiteira teria distribuído valores para pagar propina e financiar campanhas de forma irregular

Aguirre Talento

27/02/2019 - 09:51 / Atualizado em 27/02/2019 - 09:53

BRASÍLIA - Uma das maiores empreiteiras do país, com contratos bilionários no Brasil e no exterior, a OAS distribuiu entre 2010 e 2014 cerca de R$ 125 milhões em propinas e repasses de caixa dois a pelo menos 21 políticos de oito partidos. A revelação foi feita por oito ex-funcionários que atuavam na "Controladoria de Projetos Estruturados", o departamento clandestino da empreiteira, em delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e que era mantida até agora em sigilo.

O GLOBO teve acesso a um relatório de 73 páginas da Procuradoria-Geral da República (PGR) em que a procuradora-geral, Raquel Dodge, resume as revelações dos ex-executivos, contidas em 217 depoimentos, e pede providências ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo. Os funcionários do setor revelaram os nomes dos políticos, as campanhas financiadas irregularmente, as obras superfaturadas para alimentar o caixa clandestino da empreiteira e o método de funcionamento do esquema.

A lista de beneficiários elencada pelos delatores é multipartidária e reuniria alguns dos mais proeminentes políticos do país no período. Entre os acusados de receber propina estão o senador Jaques Wagner (PT) e o ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), além do ex-governador Fernando Pimentel (PT-MG), do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) e do ex-ministro Edison Lobão (MDB-MA). Vários outros teriam recebido caixa dois, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o senador José Serra (PSDB-SP), o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral (veja abaixo todos políticos citados). Procurados, eles refutaram as acusações ou negaram-se a comentá-las.

Há ainda uma longa lista de burocratas de estatais, integrantes de fundos de pensão, empresários e doleiros que também são citados como beneficiários de dinheiro do setor. É a primeira vez que integrantes da OAS explicam como funcionava o sistema de propinas da empreiteira. O esquema ilegal da construtora envolvia o superfaturamento de obras emblemáticas, como estádios da Copa de 2014, a transposição do Rio São Francisco, o Porto Maravilha, no Rio, e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, além de empreendimentos no exterior. Uma parte desses recursos extras seria posteriormente repassada aos políticos.

De acordo com a delação, a OAS assinava contratos frios com empresas de fachada, no Brasil e no exterior, para esquentar o dinheiro. Um dos principais operadores desse caixa era Alberto Youssef, doleiro preso pela Operação Lava-Jato, que fechou delação em 2014 e começou a revelar a extensão das relações criminosas da empreiteira com o universo político.

No relatório enviado ao Supremo, a procuradora-geral, Raquel Dodge, pede o envio de depoimentos da delação dos ex-executivos para até nove estados onde a Justiça de primeira instância investiga políticos que receberam dinheiro sujo da OAS. A procuradora-geral também solicita que as acusações dos ex-funcionários sejam anexadas a inquéritos que tramitam no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) de modo a embasar investigações contra políticos com foro privilegiado.

"Nestes autos, há narrativa de diversos fatos que podem constituir infrações penais, dentre eles o pagamento de vantagens indevidas a parlamentares federais. Para facilitar a análise dos documentos coligidos e a definição de competência do Supremo Tribunal Federal ou de outros órgãos da jurisdição, segue o resumo de cada termo de declaração e da providência ora solicitada", escreve Raquel Dodge.

Cúpula Envolvida

Diretor Financeiro da OAS, Mateus Coutinho de Sá era o encarregado de repassar ao departamento as "demandas de caixa dois" e de propina. O volume de repasses clandestinos a políticos era atualizado mensalmente pelas diretorias e superintendências regionais da empreiteira, que encaminhavam os pedidos de suborno e de caixa dois à Direção Financeira. Essa contabilidade era feita por José Maria Linhares. Depois de aprovada pela cúpula da OAS, a ordem de pagamento do suborno ou do caixa dois era enviada ao setor, que providenciaria, via doleiros, a entrega dos recursos em espécie em todo o território nacional. O encarregado de providenciar entregas de propina no Sudeste e no Sul era José Ricardo Breghirolli. Já no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a função era delegada a Adriano Santana.

[...]

Sobre a OAS

Fundada pela família do empresário Cesar Mata Pires, a empreiteira tornou-se um dos maiores grupos empresariais do país durante os governos do PT. Sob o comando do engenheiro e ex-presidente da empresa José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, a OAS conquistou capital político abastecendo clandestinamente campanhas eleitorais e pagando mesadas a burocratas do serviço público. Pinheiro também negociou um acordo de delação com a PGR. Suas confissões ainda estão em fase de produção de depoimentos e coletas de provas, para só depois serem submetidas para homologação do ministro Edson Fachin. 

A delação dos ex-funcionários da OAS foi homologada em março do ano passado por Fachin. As revelações dos ex-funcionários da empreiteira deram início a investigações que tramitam em sigilo desde o fim do ano passado. Em agosto, Fachin autorizou que o material fosse compartilhado com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal em pelo menos nove estados e permitiu as primeiras investigações preliminares sobre o caso.

Os delatores citam algumas obras nas quais houve superfaturamento de serviços: Arena das Dunas (Rio Grande do Norte), Arena do Grêmio (Rio Grande do Sul), Canal do Sertão (Alagoas), duplicação da BR-101 (Pernambuco), prédio da Petrobras em Salvador (Bahia), reforma do Aeroporto de Guarulhos (São Paulo), reforma da orla de Jaboatão dos Guararapes (Pernambuco), transposição do Rio São Francisco (Nordeste) e Trilha Transcarioca (Rio de Janeiro).

O desvio para caixa dois fazia parte da contabilidade das obras da OAS e os pagamentos a políticos eram organizados em planilhas internas. "A demanda de caixa dois já era incluída nas propostas que iam para licitação das obras, quando havia demanda", explicou o ex-executivo Roberto Souza Cunha. "Todo mês, as obras atualizavam as informações e encaminhavam para sua respectiva diretoria operacional para aprovação. Depois, encaminhavam para a área de custos, ligada à diretoria financeira, que consolidava as informações. Dentre elas, constava a necessidade de caixa dois de cada obra", afirmou Roberto Cunha.

OS POLÍTICOS DELATADOS

Aécio Neves
PSDB-MG
deputado federal
CAIXA DOIS DE
R$ 1,2 milhão
à sua campanha de 2014 via contrato fictício e pagamento de "vantagem indevida" de R$ 3 milhões via doações oficiais em 2014. Defesa diz que 'acusações são falsas' e doações estão todas registradas na Justiça Eleitoral

Edison Lobão
MDB-MA
ex-senador
PROPINA DE
R$ 2,1 milhões
por obras de Belo Monte. Ele nega irregularidades e critica delações sem prova

Eduardo Cunha
MDB-RJ
ex-presidente da Câmara
PROPINA DE
R$ 29,6 milhões
referente a percentual de obras da OAS. Defesa 'nega veementemente a acusação'

Eduardo Paes
DEM-RJ
ex-prefeito do Rio
CAIXA DOIS DE
R$ 25 milhões
para sua campanha à Prefeitura em 2012. Defesa diz que contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral e jamais favoreceu empresas

Eunício Oliveira
MDB-CE
ex-presidente do Senado
CAIXA DOIS DE
R$ 2 milhões
para sua campanha ao governo do Ceará em 2014. Defesa diz que OAS fez doações legais e registradas nesse exato valor

Fernando Pimentel
PT-MG
ex-governador de MG
PROPINA DE
R$ 2,5 milhões
ao seu operador Bené quando ele era ministro do governo Dilma. Defesa diz que desconhece as acusações

Flexa Ribeiro
PSDB-PA
ex-senador
CAIXA DOIS DE
R$ 150 mil
para sua campanha eleitoral ao Senado em 2010. Defesa não respondeu

Geddel Vieira Lima
MDB-BA
ex-ministro
CONTRATO FICTÍCIO DE
R$ 30 mil
com empresa de publicidade para manutenção do site do político. Defesa não respondeu

Índio da Costa
PSD-RJ
ex-deputado
REPASSE DE 'VALORES
ESPÚRIOS' DE
R$ 1 milhão
a sua campanha em 2010. Deputado diz desconhecer os pagamentos

Jaques Wagner
PT-BA
senador
PROPINA DE
R$ 1 milhão
via contrato fictício e repasses de caixa dois. Defesa diz que não comentará delação que não teve acesso

José Sérgio Gabrielli
PT-BA
ex-presidente da Petrobras
MESADA DE
R$ 10 mil
durante o ano de 2013. Defesa nega acusação e diz que ele desconhece o delator

José Serra
PSDB-SP
senador
CAIXA DOIS DE
R$ 1 milhão
via ex-tesoureiro. Defesa diz que contas eleitorais eram responsabilidade do partido

Lindbergh Faria
PT-RJ
ex-senador
PAGAMENTO DE
R$ 400 mil
para serviços do publicitário João Santana. Defesa não respondeu

Marco Maia
PT-RS
ex-presidente da Câmara
CAIXA DOIS DE
R$ 1 milhão
à campanha eleitoral de 2014. Defesa diz que vai se pronunciar apenas nos autos

Marcelo Nilo
PSB-BA
deputado federal
PROPINA DE
R$ 400 mil
em 2012 e outros repasses em 2013. Defesa nega acusação e diz desconhecer delator

Nelson Pelegrino
PT-BA
deputado federal
CAIXA DOIS DE
R$ 1 milhão
em campanha à Prefeitura de Salvador em 2012. Defesa afirma que desconhece a delação

Rodrigo Maia
DEM-RJ
presidente da Câmara
CAIXA DOIS DE
R$ 50 mil
em campanha à Prefeitura do Rio em 2012. Defesa diz que doações foram declaradas à Justiça e nega favorecimento a empresários durante mandato

Rosalba Ciarlini
PP-RN
ex-governadora
CAIXA DOIS DE
R$ 16 milhões
proveniente da obra da Arena das Dunas. Ela disse 'desconhecer qualquer transação nesse sentido com a OAS'

Sérgio Cabral
MDB-RJ
ex-governador
CAIXA DOIS DE
R$ 10 milhões
em sua campanha ao governo do Rio em 2010. Defesa diz que não vai comentar

Valdemar Costa Neto
PR
ex-deputado
PROPINA DE
R$ 700 mil
das obras da Ferrovia Oeste-Leste. Defesa diz que desconhece a delação

Vital do Rego
ministro do TCU
PROPINA DE
R$ 3 milhões
à sua campanha eleitoral em 2014 em troca de blindagem na CPMI da Petrobras. Defesa diz que não teve acesso à delação e que não recebeu doações irregulares


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