Em 1998 passei por momentos assaz desagradáveis coletando material para exame, num laboratório no Leblon. Tanto foi que depois resolvi escrever um texto descrevendo a vexatória situação. Publiquei o texto na Goldenlist e, algum tempo depois, recebi um telefonema do Kaíke Nanne, da Playboy. Ele leu o texto e me chamou para escrever para a revista, que foi um serviço muito divertido de fazer.
Segue o texto.
* * *
O doutor pediu um monte de exames para o checkup anual e lá estava eu hoje cedo no laboratório, depois de uma noite agitada fora de casa, mas tendo respeitado rigorosamente o jejum alimentar de 12 horas para a coleta de sangue. Estava meio preocupado, pois a bateria de exames incluía urina e fezes e eu ainda não havia coletado nenhum dos dois. Contava com os frasquinhos de coleta que conseguiria no laboratório, e com a providência divina para que me inspirasse a produzir material para ambos os exames, na quantidade certa e na consistência adequada.
Depois que fui furado e sangrado, o homenzinho fez questão de me perguntar novamente se faria as coletas restantes ali mesmo no laboratório, ao que respondi que sim. Sumiu por uns minutos e me passou dois recipientes plásticos. Um deles era transparente e o outro não, sendo que o segundo tinha uma pequena pá de plástico acoplada à tampa rosqueada, o que indicava claramente sua função.
Meti-me no banheiro equipado apenas dos frasquinhos e de certa dose de coragem. Sabendo que iria passar por um processo delicado, despi-me por completo com exceção das meias, pois o chão estava frio. A concentração absoluta era essencial e não podia me preocupar com a desagradável possibilidade de manchar as roupas em função de alguma manipulação errônea de minha parte.
A primeira etapa era a mais simples. Mijar no pequeno pote exigia apenas certo controle na intensidade e duração do jato. Até três quartos do vasilhame a coisa podia fluir solta, mas aproximando-se o nível da borda, fazia-se necessário certo comedimento de modo a despejar pequenos jatos parcimoniosos para completar o conteúdo. Nenhuma gotícula pingou fora. Um serviço limpo e profissional. No entanto, o verdadeiro desafio estava por vir.
Desenrosquei o segundo pote e me senti oprimido pela pazinha violeta que apontava em minha direção. Olhei pelo banheiro em busca de algum recipiente maior que pudesse servir de anteparo preliminar, sobre o qual eu trabalharia com a pá, despedaçando a massa fétida que eu em poucos minutos produziria. Mas não havia nada que eu pudesse usar para esse fim. A outra opção seria contar com uma precisão de artilharia que infelizmente eu não tenho, ou seja, posicionar o potinho rigorosamente sob a linha de tiro e rezar para que caísse uma porção exata no lugar correto. Abandonei essa opção de imediato.
A saída que me sobrava era uma só. Teria que cagar na mão, com a destreza de um mestre Shaolin e com a delicadeza de uma bailarina do Kirov. Tomei alento, sentei-me concentrado e enfiei a mão vaso adentro, alinhando a palma meticulosamente abaixo da boca do canhão. Contraí os músculos de costume, dando início ao cortejo sólido em minhas entranhas. Quando já me preparava para receber os primeiros pedaços de sujeira, o corpo mudou sua reação de forma já conhecida e o que era para ser sólido provou que não o seria, e -- graças ao santo! -- também líquido não era. Com a mão bem próxima ao ponto de saída, fiz uma das mais surpreendentes descobertas de minha vida: o peido é quente, adoravelmente quente. Não foram dois nem três, foram diversos naquela manhã úmida no Leblon. Minha reação aos primeiros bafejos mornos, foi a de retrair levemente o braço, como se me assustasse. Porém, após me ambientar aos ternos sopros que de mim brotavam, acostumei-me à nova realidade e mantive a postura, impassível.
Passada a fase gasosa, percebi que o momento do clímax se aproximava. Instantes de silêncio que pareciam uma eternidade. E eis que, impulsionado pela inexorável lei de Newton, deitou-me à mão o mais mimoso pedaço de bosta que já vi. Outros pequenos se seguiram, judiciosamente picotados por mim, à porta de saída, com uma habilidade que nem eu sabia possuir. Quando julguei que já era o suficiente, dei ordens para que se interrompesse o processo todo, postergando o término da entrega abortada. Levantei-me solene da tábua e trouxe a mão carregada à minha frente. Estava orgulhoso de mim mesmo.
Com a outra mão peguei decidido o frasco e, num golpe de extrema audácia e desprendimento, fui alojando com os dedos trêmulos um a um os nacos, que lembravam pequenas almôndegas fedorentas, no interior do vasilhame. Nesse mister, reservei alguns dedos incólumes para a tarefa de fechar o pote, o que fiz também sem erro. Só faltava uma aplicação bem feita de papel higiênico, uma demorada lavada nas mãos, e eu estaria pronto para sair daquela câmara de tortura, que acabou se tornando um templo de grandes e fecundas descobertas internas.
- c.a.t.
[1998-05-07, no então Sérgio Franco, Leblon http://bit.ly/2UL6Cqe]
* * *
Lembrei também que, depois de ler, o amigo Nelson Vasconcelos me pregou um susto da porra. Ele diagramou o texto na forma da minha coluna no Globo. Deu um print e mandou a Luiza, secretária, me entregar, dizendo que seria publicado na segunda-feira seguinte na versão impressa do Caderno Informática Etc. Quase surtei.
Depois que fui furado e sangrado, o homenzinho fez questão de me perguntar novamente se faria as coletas restantes ali mesmo no laboratório, ao que respondi que sim. Sumiu por uns minutos e me passou dois recipientes plásticos. Um deles era transparente e o outro não, sendo que o segundo tinha uma pequena pá de plástico acoplada à tampa rosqueada, o que indicava claramente sua função.
Meti-me no banheiro equipado apenas dos frasquinhos e de certa dose de coragem. Sabendo que iria passar por um processo delicado, despi-me por completo com exceção das meias, pois o chão estava frio. A concentração absoluta era essencial e não podia me preocupar com a desagradável possibilidade de manchar as roupas em função de alguma manipulação errônea de minha parte.
A primeira etapa era a mais simples. Mijar no pequeno pote exigia apenas certo controle na intensidade e duração do jato. Até três quartos do vasilhame a coisa podia fluir solta, mas aproximando-se o nível da borda, fazia-se necessário certo comedimento de modo a despejar pequenos jatos parcimoniosos para completar o conteúdo. Nenhuma gotícula pingou fora. Um serviço limpo e profissional. No entanto, o verdadeiro desafio estava por vir.
Desenrosquei o segundo pote e me senti oprimido pela pazinha violeta que apontava em minha direção. Olhei pelo banheiro em busca de algum recipiente maior que pudesse servir de anteparo preliminar, sobre o qual eu trabalharia com a pá, despedaçando a massa fétida que eu em poucos minutos produziria. Mas não havia nada que eu pudesse usar para esse fim. A outra opção seria contar com uma precisão de artilharia que infelizmente eu não tenho, ou seja, posicionar o potinho rigorosamente sob a linha de tiro e rezar para que caísse uma porção exata no lugar correto. Abandonei essa opção de imediato.
A saída que me sobrava era uma só. Teria que cagar na mão, com a destreza de um mestre Shaolin e com a delicadeza de uma bailarina do Kirov. Tomei alento, sentei-me concentrado e enfiei a mão vaso adentro, alinhando a palma meticulosamente abaixo da boca do canhão. Contraí os músculos de costume, dando início ao cortejo sólido em minhas entranhas. Quando já me preparava para receber os primeiros pedaços de sujeira, o corpo mudou sua reação de forma já conhecida e o que era para ser sólido provou que não o seria, e -- graças ao santo! -- também líquido não era. Com a mão bem próxima ao ponto de saída, fiz uma das mais surpreendentes descobertas de minha vida: o peido é quente, adoravelmente quente. Não foram dois nem três, foram diversos naquela manhã úmida no Leblon. Minha reação aos primeiros bafejos mornos, foi a de retrair levemente o braço, como se me assustasse. Porém, após me ambientar aos ternos sopros que de mim brotavam, acostumei-me à nova realidade e mantive a postura, impassível.
Passada a fase gasosa, percebi que o momento do clímax se aproximava. Instantes de silêncio que pareciam uma eternidade. E eis que, impulsionado pela inexorável lei de Newton, deitou-me à mão o mais mimoso pedaço de bosta que já vi. Outros pequenos se seguiram, judiciosamente picotados por mim, à porta de saída, com uma habilidade que nem eu sabia possuir. Quando julguei que já era o suficiente, dei ordens para que se interrompesse o processo todo, postergando o término da entrega abortada. Levantei-me solene da tábua e trouxe a mão carregada à minha frente. Estava orgulhoso de mim mesmo.
Com a outra mão peguei decidido o frasco e, num golpe de extrema audácia e desprendimento, fui alojando com os dedos trêmulos um a um os nacos, que lembravam pequenas almôndegas fedorentas, no interior do vasilhame. Nesse mister, reservei alguns dedos incólumes para a tarefa de fechar o pote, o que fiz também sem erro. Só faltava uma aplicação bem feita de papel higiênico, uma demorada lavada nas mãos, e eu estaria pronto para sair daquela câmara de tortura, que acabou se tornando um templo de grandes e fecundas descobertas internas.
- c.a.t.
[1998-05-07, no então Sérgio Franco, Leblon http://bit.ly/2UL6Cqe]
* * *
Lembrei também que, depois de ler, o amigo Nelson Vasconcelos me pregou um susto da porra. Ele diagramou o texto na forma da minha coluna no Globo. Deu um print e mandou a Luiza, secretária, me entregar, dizendo que seria publicado na segunda-feira seguinte na versão impressa do Caderno Informática Etc. Quase surtei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário